terça-feira, 27 de setembro de 2016

terça-feira, 13 de setembro de 2016

O HOMEM DA ESQUINA

Há sempre um homem na esquina armado de palavras,
Pronto pra lhe explicar certos porquês
E as vezes razão dá ao que não tem razão.
Fica o “homem” ali então, horas e horas da vida.
As vezes troca de chapéu; ele não usa chapéu.
Troca de sapatos, camisa e segue assim, assim:
Um vermelho irritado, radical,
Noutro dia branco simples, calmaria.
Faça sol, chova canivete aberto,
Lá estará o homem, por certo, parado na esquina
Convicto de que faz algo de bom pelo resto da humanidade.

Se você passa e não o vê, ele lhe chama,
Não tenha dúvidas.
Se você nunca passou por ali
Ele pacientemente lhe espera.
Se você passa indiferente,
Ele pigarreia e se faz notar.

Se você finge não vê-lo, ele atira uma pedra.
Está sempre ali na esquina desde outros carnavais,
Desde há muito,
Desde quando só Deus é quem sabe;
E olha que Deus não revela pra ninguém
A precisão da data.
Lá está o homem da esquina
Na sua dialética pregoeira
Na sua  palavrática bibliomaníaca.
Ah! Se você discordar
Ele lhe explica por A mais B.
Se você interroga o esquineiro
Tem assunto pra mais de metro
Se você concorda pura e simplesmente,
Ele lhe agride com pontos de interrogação.
O homem da esquina tem sempre uma pausa,
Um adendo, uma frase feita sem sentido.

E se você vacilar poderia cair no conto da gaiola
Com um gato dentro, pra na falta de assunto
Ele lhe explicar que o gato ali está de castigo,
Por ter comido  o canarinho Belga
Que havia ganho numa aposta
De corrida de cavalos na cidade de Uberabinha
Na época do fim de ano, quando ele lá fora,
Pra visitar sua família, tias e avós etc, etc, etc.

O homem da esquina se diz poeta , poeta não é.
Apregoa ser músico, mas música não faz.
Se diz escritor mas só escreve notas de rodapé.
O homem da esquina está morrendo,
De cansaço e de câncer.
Por favor, não faça preces por ele,
E quando ele morrer, meu irmão,
Desinfetemos a esquina,
Pra que tudo ali se renove
E os tempos sejam outros.  





















A LUA EMPUTECIDA

(aos amigos da Praça Maldita)
Cena Primeira, ao som de Rua 57....

Fomos nomeados navegantes
O gigante sem par,
O errante sem velas
E por entre arrecifes
Perambulou, pularam nossas jaquetas
Jeans story music Center.
Atrelados aos grupos pensantes
Pisamos nas idéias
E cada um de nós massageou
Sua cáca craniana.
Tirando cascas da cratera do nariz
Fomos à raiz da coisa
Buscamos a rima e quiçá
Um jato de sangue.

Cena segunda (ao som de Clarice)
Fomos recebidos pela velhinha arqueada
Que nos ofereceu chá e veneno.
Bebemos o ópio e recusamos o chá,
E nos perdemos numa selva sem cachorro.
Um de nós tinha o fantástico hábito
De andar para trás e chegou primeiro,
Não nos mandou notícias,
Só a corda range até hoje
Aonde seu corpo dança enforcado
Sorrindo aos que passam.

Entre ato (mesmo tema musical)

Nós queríamos sair livres
Mas a fragata não perdoa,
Atolamos até o pescoço
Num mar de merda.

Final da segunda cena:
Outro pensou que era sonho
E cantou poesia, endoideceu.
Agora não há mais ponto de partida
O princípio era.

Cena outra ( ao som de Benavon)
Éramos do mundo
E nele estávamos viajando,
E o pior é que durante
Todo esse, tempo fomos enfraquecendo
E daquela lúdica meninice,
Daquele ar aventureiro e sem razão,
Fomos criando carcaças
E ocorreram mentiras,
Desavenças e traições,
Como nos livros, como nos filmes
E nós não queríamos assumir.
Mas éramos cristãos como todos os outros,
Gananciosos, ignorantes e fúteis
E quem nos provou isto:
A fila no hospital das trevas?
A perna amputada dos dias?
A dor corroendo nossos corações?
A podridão devorando nossas vísceras?

Cena Final ( ao som de Numa Velha Canção)

E nos atiramos lama uns nos outros
E pisamos na flores de todos os jardins.
E arrancando todas as árvores do mundo
Uma a uma,
Machucamos as mulheres
E rumamos em marcha fúnebre
Em busca do Paraíso.








Convite a todos os amantes de palavras arranjadas

Imaginem a criança descendo as ladeiras baianas e aportando, como diria Henfil, no Sul Maravilha, mais precisamente no alto de uma colina escarpada entre os rios Anhangabaú e Tamanduateí – São Paulo de Piratininga! Hoje, São Paulo, comoção de nossas vidas, uma metrópoleporto seco, ruas sem corredeiras e tão corridas. Capital da esperança e do desconhecido. Ladeira da saudade onde o caminhão, quase sem freio, pau de arara, atravessou ponta a ponta vindo lá do recôncavo baiano barro seco para o asfalto. Criança chegada juntinho com a ditadura militar de 64.
Imagine essa criança, menino, crescendo nas vilas de uma São Paulo em tempos de garoa cantado nas liras dos Andrades e, de tanto lirismo, foi lá na frente, jovem – hoje passado – forjar-se em Lira Paulistana. Da escola até a praça maldita cheia de árvores, com os amigos de prosa, poesia e criação, muita água se passou por baixo, por cima e por dentro do menino, do moço e do homem maduro baiano e hoje tão paulistano.
Imagine esse homem na porta de um teatro, correndo pela coxia e sentado na platéia. Dê a ele uma caneta, um papel, a voz e vejamos o que virará – vira poeta, desses de fazer jus à tradição baiana e de uma vanguarda paulistana – vai de Castro Alves até Gilberto Gil, vai de Dorival Caymmi até Wally Salomão,vai da Bossa Nova até os dias de São Cosme e Damião.
Imaginemos então poeta, arranjador de palavras, no papel virtual da vida. Colecionador de tantas letras pelo caminho, que fez das palavras pura poesia olhando pela vidraça e viu – fazia disto tudo ofício de educar nossas emoções e hoje outras tantas crianças. A carne, de tão viva e sem saída, dizia que não havia mais nenhum leão sentado na pedra. O real fragmentado, ao lado, tornou-se palavras para nossa leitura.
Agora, já não cabe mais imaginarmos. O homem, aquele mesmo que escreve por vício, cheio de vida, mais uma vez faz-se exemplo de beleza, de estética, de ofício mais que ético, pois é poeta. Toda essa poesia é um sol em nossas vidas vindo da infância e nos levando para o mar. E depois? A gente faz um acordo então – viremos essas páginas, uma a uma, na ordem que nossas emoções e razão desejarem. E depois? Bem, depois a gente pode se encontrar em uma destas praças reais ou virtuais e compartilhar o que sentimos com o tanto de poesia desse nobre amigo, cheio de música e de uma espiritualidade poética, J.  Cordeirovich.
                                                                 Alessandro Ayudarte, ano de 2015.